quinta-feira, 7 de maio de 2009

outro esforço - ainda o apanhamos!

Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, n'esses estreitos anos de vida, era da inutilidade do todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra — porque tudo se resolve, como já ensinara o sabio do Ecclesiastes, em desilusão e poeira.
— Se me dissessem que ali em baixo estava uma fortuna como a dos Rothschilds ou a coroa imperial de Carlos V, à minha espera, para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo... Não! Não saía d'este passinho lento, prudente, correcto, seguro, que é o unico que se deve ter na vida.
— Nem eu! acudiu Carlos com uma convicção decisiva.
E ambos retardaram o passo, descendo para a rampa de Santos, como se aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde eles, certos de só encontrar ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais avançar senão com lentidão e desdém. Já avistavam o Aterro, a sua longa fila de luzes.
[...]
— Espera! exclamou Ega. Lá vem um «americano», ainda o apanhamos.
— Ainda o apanhamos!
Os dois amigos lançaram o passo, largamente.
E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
— Que raiva ter esquecido o paiosinho! Emfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existencia. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
— Nem para o amor, nem para a gloria, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parára. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
— Ainda o apanhamos!
— Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou, e fugiu. Então, para apanhar o «americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.
[In Os Maias, Eça de Queirós]

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